Introdução

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

INTRODUÇÃO

O presente estudo foi concebido a partir da dor de uma criança-adulto-ferida, vitimizada por abusos físicos, sexuais e psicológicos. Cada capítulo expressa uma dúvida acerca do próprio destino, constela uma viagem que penetra as profundezas dos sulcos de cada ferida. Uma travessia cujo norteador são as cicatrizes da Alma.

Não se trata de um estudo de caso, mas de uma inspiração, e, portanto esta criança-ferida tornou-se a representante das muitas crianças vitimizadas que habitam as sombras. As dúvidas desta criança-adulto-ferida acerca das possibilidades de (re)nascimento e (re)criação são as correntes de vida à tornar cada inscrição teórica, uma pulsante possibilidade de redenção, de si mesma, de seus agressores e de sua família. Esta energia criativa adorna as páginas deste perscrutar da alma, através dos desenhos, apresentados como separatas, anunciando as estações da Alma que serão tocadas.

As feridas desta criança-adulto-ferida, vítima de Abuso Sexual Incestuoso e Maus-tratos, trazem uma sucessão sombria, que transcende a sua geração, a geração de seus pais e mesmo a de seus avós. A dor dos abusos trazem, portanto, uma ancestralidade sombria que se perpetua a cada nova geração em vítimas expiatórias e sacrificiais, aleatoriamente eleitas dentro do próprio lar. Algo como estar fadado a cumprir um destino pré-escrito no universo desta família, compondo uma verdadeira Maldição Familiar.

                        A criança-adulto-ferida, conforme propõe este estudo, vive a dor de ver constelado em sua vulnerabilidade emocional o Complexo do Bode-expiatório. Portanto, por muitos anos sente-se excluída, abandonada, um “problema familiar” a ser resolvido. Inferiorizada e culpada, vê a vida perdendo seu significado a cada tentativa de afeto malograda e frustrada.

Após anos de psicoterapia, no entanto, pode reencontrar e reconstruir a própria Alma e com ela seu destino. Mas ainda resta uma incógnita, tornando a questão central da presente busca: saber se existe alguma possibilidade de redenção familiar, se ao menos uma das crianças-feridas destes universos feridos, se dispuser à realizar uma Jornada Interior de crescimento. Teria esta Alma resgatada, forças para romper com o ciclo das vitimizações e redimir a Maldição Familiar que se alastra há muitas gerações?

Para tentar responder esta questão de vida, este estudo foi dividido em dois momentos, os quais exigem uma leitura e reflexão gestáltica, não linear, uma vez que ao trabalhar com as feridas, vários conceitos básicos são articulados, quais sejam, criança-ferida ou acriança-adulto-ferida (dependendo da idade emocional com que o paciente recorreu à terapia, ou iniciou sua Jornada Interior), bode-expiatório, vítima sacrificial e Maldição Familiar.

Em síntese, propõe-se uma evolução temática partindo da criança-ferida ou criança-adulto-ferida abusada, logo vitimizada e sacrificada que em sua desproteção constela o complexo do bode-expiatório, e que por identificações com o agressor ou por heança psíquica, acaba por necessitar de nova vítima para aplacar sua dor, elegendo-o geralmente dentro da própria família que venha à formar, tecendo uma trama sombria, aqui chamada maldição familiar.

O segundo momento, está voltado para a cura destas feridas. Várias abordagens são apresentadas, buscando “tocar” nos diversos mecanismos psíquicos feridos, tecidos durante a trajetória sombria destas crianças interiores. Portanto, vários níveis de análise são propostas, partindo do constelar do arquétipo do caminho, imprescindível para dar início a jornada interior. Então esta viagem rumo à totalidade prossegue passando pelo despertar do corpo, pelo desativar dos medos, pela integração da sombra, e pelos tantos, reencontros redentores: reencontro com a criança-interior, com o “outro”, com a vida e consigo mesmo.

                        Após percorrer estas diferentes estações da Alma, a criança-adulto-ferida, defronta-se com o universo do perdão, e é apenas nesta parte da travessia que se pode tentar responder a questão da redenção familiar. Somente após ter a criança-ferida atingido um estado de consciência e compreensão mais amplos, pode tentar expandi-lo para as pessoas-feridas que encontram-se no mesmo universo. Basta saber, no entanto, até que ponto esta redenção individual é capaz de curar as feridas de muitas gerações.

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