Automutilação na Adolescência: cicatrizes emocionais que doem!

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

Seria muito confortador para nós adultos, considerados os “guardiões” da juventude – os responsáveis por guardá-la e protegê-la -acreditarmos que a automutilação ou cutting não passa de “modismo”, de necessidade de “chamar atenção” ou apenas, de uma vontade de ser diferente.

Minimizar as causas nos daria uma sensação de que tudo está sob controle. Mas sempre é imprescindível enfatizar que quando um adolescente necessita de um recurso destrutivo ou excessivo pra “chamar atenção”, está nos dando um sinal sobre sua solidão ou necessidade emergente de acolhimento.

Logo, se ignorarmos seu apelo ou não ocuparmos nosso lugar de amparo, nosso adolescente buscará refúgios em outros universos, os quais podem não ser tão construtivos quanto gostaríamos. Por ora, infelizmente, a realidade está se mostrando muito desafiadora, pois temos pouquíssima bibliografia especializada, um silêncio muito grande dos adolescentes que se machucam e uma angústia enorme de pais e educadores atentos e desorientados.

O mundo virtual apresenta muitos sites, vídeos e blogs enaltecendo as lâminas que ao cortar a pele, prometem aliviar angústias. Chamam-nas de “companheiras” e “amigas”, em uma inversão de conceitos preocupante, na qual o que fere… acolhe! Outros sites apresentam o cutting, como também é chamado, de uma forma menos poética e mais realista, trazendo os cortes como denúncia de dores e silêncios. Há o questionamento se o acesso a estas informações seriam salutares ou se incentivariam ainda mais a autolesão? Novamente, caberia lembrar que tais canais são acessados, logo são procurados, revelando que há pessoas ávidas para projetarem seus conflitos e dividirem suas angústias.

Especialistas tentam delinear causas, estão cientes de todos os conflitos inerentes à adolescência, e no entanto, são unânimes em afirmar que não se trata de um comportamento para “chamar a atenção”, mas de uma necessidade de ajuda. Os adolescentes que praticam o cutting não estão envoltos apenas nos desafios deste período, mas estão apresentando um sofrimento maior do que os compartilhados e superados por seus pares.

O DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Saúde Mental da Associação Americana de Psiquiatria), denomina o ato de realizar pequenos cortes no corpo, de Autolesão ou Automutilação não suicida e o reconhece como um transtorno mental. Um comportamento não adaptativo presente também em outros transtornos psíquicos, tais como, nos transtornos alimentares, obsessivo-compulsivos, de ansiedade e tantos outros que, combinados com pressões emocionais intensas, podem levar a um ato de suicídio consumado, como nos quadros depressivos, por exemplo.

Na presente discussão, mais do que catalogar ou rotular a automutilação, nossa preocupação é a de acolher o sofrimento destes jovens, dando voz as suas angústias, para que encontrem meios menos destrutivos de se expressarem.  O próprio cutting em si, gera sofrimento para os adolescentes que se sentem constrangidos e envergonhados por recorrerem a este recurso para diminuir sua ansiedade. Talvez por esta razão evitem exibir seus cortes para seus pais ou para as demais pessoas, cobrindo-os com suas roupas ou outros disfarces.

“Disfarces” utilizados para esconder cortes, para fugir de situações sociais que percebem como ameaçadoras, para esconder seus sentimentos dolorosos, disfarces para que os pais não percebam suas angústias ou para que os colegas não percebam sua vulnerabilidade.

Pesquisas apontam que muitos dos jovens que se cortam apresentam dificuldades no convívio social, sentem-se inadequados ou efetivamente já foram vítimas de bullying. Alguns desistem, retraindo-se e outros ainda, tentam adotar posturas desafiadoras e indiferentes, tentando convencer a si mesmos que não se importam com suas dificuldades sociais, com sua solidão ou falta de amigos.

Dificuldades sociais, emocionais, familiares e/ou escolares, geralmente estão presentes e pela intensidade com que são vivenciadas, acabam gerando mais angústias que, por sua vez, provocam novos cortes. Na maioria das vezes, cortar-se pode viciar, transformar-se em comportamento compulsivo (como beber ou comer excessivamente), absorvendo muitas horas em planejamentos de como serão feitos e depois muitas horas penitenciando-se por tê-los realizado.  Sempre círculos viciosos que incrementam a angústia, pois todo comportamento que propicie o alívio de tensão, tende a tornar-se contínuo e de difícil superação.

Como são ações reconhecidamente irracionais, inclusive pelo próprio adolescente, a superação requer ajuda externa, sem julgamentos ou condenações. Lamentavelmente, enquanto adultos, estamos continuamente avaliando se a dor do outro é ou não legítima, e em geral, costumamos achar que o sofrimento dos nossos filhos são menores do que o que nós mesmos já fomos obrigados a superar. Para evitar este engano, é   necessário entender que dores, sejam físicas ou emocionais não são mensuráveis, independem de parâmetros. Cada pessoa é única, inclusive na sua sensibilidade às dores da Alma.

Portanto, o apoio dos adultos significativos na vida dos jovens torna-se indispensável. A participação e acolhimento dos pais, com uma compreensão e aceitação integral de seus sentimentos e sofrimentos, sem críticas ou acusações, possibilitarão ao adolescente que aceite a si mesmo, proporcionando-lhe um grande alívio. Os jovens precisam destes adultos significativos, precisam ser aceitos em sua totalidade, para que possam reunir forças para superar suas dificuldades e transformar seus comportamentos disfuncionais ou destrutivos em construção de vida.

Categorias: Reflexões

0 comentários

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *