Nossas intenções definem nossos relacionamentos… saudáveis, tóxicos ou abusivos?
Como escreveu Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, portanto, relacionar-se é uma arte, uma trama de muitas habilidades e competências que devem estar a serviço do “encontro”, consigo e com o outro. O capricho, o desleixo ou o desdém, com que as pessoas conduzem seus relacionamentos e a forma como compartilham suas vidas, podem indicar o grau de satisfação consigo mesmas.
Os desencontros surgem, na maioria das vezes, das idealizações, conscientes e inconscientes, que tecemos em relação aos outros e a nós mesmos. Criamos expectativas de como as pessoas e situações deveriam ser e, nos decepcionamos, quando a realidade não corresponde aos nossos anseios.
Todos nós temos partes da nossa personalidade que desconhecemos e que podem surgir de forma inesperada, em situações imprevistas e, por vezes, capazes de nos assustar pela imprevisibilidade de nossas próprias reações. Este susto se deve a existência de muitas porções ignoradas em nós mesmos: o chamado Inconsciente, instância psicológica que guarda muitos arquivos de sentimentos, lembranças e histórias, que não encontram-se acessíveis a nossa mente consciente.
São estes registros inconscientes que comandam nossas reações mais inesperadas, bem como, nos fazem repetir sempre o mesmo roteiro em nossas vidas, com a tendência a repetir sempre os mesmos deslizes ou equívocos. Por esta razão, é tão comum, nos vermos enredados nas mesmas decepções e problemas, ainda que as pessoas, os lugares e as datas sejam outras.
E, é neste emaranhado de percepções e interações inconscientes que são tecidas nossas relações afetivas familiares, conjugais, de amizade e/ou profissionais, com cada um levando para os relacionamentos seus espelhos e, desta diversidade de reflexos, surgindo nossas interações sociais.
São as motivações ou intenções inconscientes, portanto, que determinam também, a qualidade das nossas relações afetivas, nascidas pela repetição e reprodução de modelos afetivos aprendidos na infância, acrescidas de nossas heranças emocionais, espelhadas no funcionamento da nossa família de origem, permeadas pelas histórias dos seus ancestrais e antecessores familiares. Estas inscrições emocionais, conscientes e inconscientes, formam padrões de relação, que são os modelos que costumamos seguir quando estabelecemos vínculos mais profundos.
Existem diversos padrões, formados a partir de diferentes modelos de interação entre as pessoas, podendo existir padrões mais adaptativos e funcionais, e, outros menos salutares e até abusivos. Mas para definir as características predominantes de cada relacionamento, é preciso cuidado e responsabilidade, pois as peculiaridades e sutilezas devem ser consideradas.
O objetivo de analisar os padrões de funcionamento das relações é o de encontrar formas salutares de reconhecimento, intervenção e prevenção de relações tóxicas e abusivas, visando minimizar desencontros e incentivar que os encontros humanos sejam cada vez mais saudáveis. Um dos primeiros passos para melhorar nossos padrões de relacionamento é reconhecê-los e, para tanto, um breve e didático roteiro será apresentado:
Há relações de amor construtivas, nas quais cada um dos envolvimentos cresce e desenvolve suas potencialidades, sem que um tolha o desabrochar do outro. São relações onde o respeito, o companheirismo e a cumplicidade são imprescindíveis e as pessoas tem sua integridade e caráter preservados.
Há os relacionamentos intermediários, mais ou menos saudáveis, nos quais, os envolvidos, mesmo com suas dificuldades e limitações, procuram preservar o respeito e buscam recursos sadios para desvencilharem-se dos embaraços e dos desencontros das interações, sejam familiares, conjugais ou pertencendo a outros encontros afetivos.
Na contraposição, há os relacionamentos tóxicos, no qual os envolvidos ficam atrelados, “embolados” um no outro, sem a existência de seres individualizados ou autênticos, sem vislumbrar possibilidades de libertação. Relacionamentos repletos de chantagens, sabotagens, comunicações indiretas, insinuações, obrigações, cobranças, controle e jogos de poder.
Há os relacionamentos abusivos, igualmente tóxicos, mas em uma proporção que afeta diretamente a integridade do indivíduo vitimado, seja por abusos físicos, sexuais ou emocionais. Relações predominantemente de poder, nas quais dominadores e dominados, se mesclam em um paralisante jogo de coações e humilhações e cujas consequências são passíveis inclusive de intervenções judiciais.
As relações tóxicas/abusivas, tem caráter destrutivo e escravizante, necessitando que os envolvidos e os sobreviventes busquem recursos para se libertarem do enredamento e das cicatrizes produzidas pela toxicidade sofrida.
Portanto, conhecer as conquistas e insucessos, enganos e acertos, bem como, os padrões de funcionamento predominantes em nossa infância, equivale a desenhar um mapa para guiar os possíveis percalços e encruzilhadas que a trama herdada aponta, bem como, viabiliza criar saídas e atalhos para estabelecer caminhos familiares futuros mais saudáveis.
O universo dos relacionamentos, como tudo que pertence ao contexto psicológico, somente pode ser efetiva e autenticamente vivenciado quando desvendados os mistérios e sutilezas entranhadas nas histórias de cada pessoa, ou a partir, do genuíno autoconhecimento.
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