Reflexões sobre o filme “Divertidamente” transformado em uma “Oficina de Emoções”
O filme Divertidamente (Inside out), da Pixar, nos traz uma grande oportunidade para trabalhar os sentimentos das pessoas em qualquer idade, pois mesmo sendo um filme considerado infantil, oferece-nos a oportunidade de explorá-lo como facilitador para falar de emoções com nossos filhos e alunos e, ainda, no âmbito psicoterapêutico, pode ser utilizado como instrumento de trabalho eficaz e bastante produtivo.
Ao relatar o cotidiano de uma menina de 11 anos, com suas aventuras e dificuldades, o roteiro do filme exalta o valor do gerenciamento das emoções para a sobrevivência e crescimento humanos. O filme se passa dentro da cabeça da personagem Riley, lugar psíquico onde se encontram o Painel de Controle das emoções, as Memórias Base, as Ilhas de Personalidade e o Subconsciente. Todos aspectos do universo psíquico, essenciais para a construção da Personalidade singular de cada um de nós.
No Painel de Controle, a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Nojinho (que evita que a protagonista “se envenene física e socialmente”) e a Raiva, são tratados como personagens que interagem e comandam os pensamentos e os comportamentos da Riley. Representando as emoções, suas atitudes tendem a ser imprevisíveis ou excessivas, agindo algumas vezes a nosso favor e outras nos colocando em confusões.
As Memórias de Base guardam momentos importantes da vida, e a partir delas, as Ilhas da Personalidade são formadas, ou seja, para a protagonista surgem um conjunto de ilhas específicas, tais como, da interação familiar surge a Ilha da Família, do relacionamento com os amigos surge a Ilha da Amizade, do aprendizado das regras sociais surge a Ilha da Honestidade, das alegrias e brincadeiras infantis surge a Ilha da Bobeira, do gosto e desempenho nos esporte surge a Ilha do Hoquei. Estas Ilhas de Personalidade são o que definem a singularidade das pessoas e no caso do filme seria “o que faz a Riley ser a Riley” ou cada um de nós sermos o que somos.
A exploração das Ilhas de Personalidade, oportuniza portanto, que selecionemos as memórias, interesses, potencialidades que fazem parte de nosso mundo interno. Selecionemos as Ilhas que gostaríamos de ter e ainda não construímos, e/ou quais delas gostaríamos de excluir de nossa vida.
Há igualmente o Subconsciente, segundo a personagem Tristeza, “para onde levam quem causa problemas”, exatamente como as diversas teorias psicológicas descrevem o Inconsciente, ou seja, um local no qual se guarda, se reprime ou esconde as lembranças e sentimentos que nos são dolorosos, onde, ainda segundo o personagem Tristeza: “se guarda “os piores medo da Riley”. Logo, uma instância psíquica na qual guardamos nossos maiores medos e que nos é ameaçador pelo desconhecimento que temos do que lá guardamos. A Análise Junguiana (e outras abordagens) considera como essencial trazer conteúdos esquecidos no Inconsciente para serem integrados na Consciência, pois é a partir da compreensão consciente de situações vividas que se pode fazer o processo de re-significação e integração das dores e temidas vivências passadas. Importante esclarecer que nem todos os conteúdos guardados no inconsciente são necessariamente ruins, mas por estarem exilados da mente consciente se tornam ameaçadores.
Uma das reflexões importantes que pode advir do filme é o resgate do legítimo valor da Tristeza para o processo de autoconhecimento, enfatizando o excesso de controle que a Alegria insiste em impor no dia-a-dia da Riley em detrimento da Tristeza, desconsiderando que muitas vezes, este sentimento incompreendido é o que pode tornar-se um dos caminhos para o encontro da Alegria legítima. Alegria autêntica que não nega os aspectos que “não vão bem em nossa vida”, capaz de perceber honestamente nossas perdas, frustrações e mágoas, acolhendo-as, para melhor compreendê-las e dar-lhes sentido.
Quando entendemos nossa Tristeza, podemos compartilhá-la e desta forma, receber também o suporte de quem nos é querido ou de quem nos possa prestar uma ajuda efetiva. Temos discutido que atualmente, vivemos um modelo de sociedade mais consumista e efêmero, o qual criou uma exigência de Felicidade, que incentiva a busca constante por sentimentos apenas confortáveis e agradáveis.
Este resgate da Tristeza acrescido da saudável integração das emoções no Painel de Controle é uma das riquezas a serem exploradas com as crianças e resgatada também com os adultos. Cada um pode identificar e construir seu próprio Painel de Controle e também definir quais emoções o constitui e quais emoções gostaria que controlassem sua vida. De certa forma é esta conscientização e redirecionamento que tentamos criar no processo terapêutico, tornando cada pessoa responsável por suas emoções e ações.
Tanto nosso Painel de Controle quanto nossas Ilhas, tendem a se modificar em função das mudanças dos próprios ciclos da vida. Especificamente no filme, são tratadas as mudanças características da transição da infância para a adolescência, traçando seus conflitos mais frequentes, mas se partirmos da premissa de que somos seres sempre em transformação, podemos ampliar a discussão de Divertidamente para outras fases da nossa jornada.
Encontramos muitas pessoas que possuem dificuldades para identificar suas emoções e ilhas, bem como, para lembrar de seus momentos emocionais significativos. Oportunizar a elas um “voltar para casa”, um voltar para si mesmas, e quem sabe permitir que pela primeira vez, construam sua morada psíquica, será uma autodescoberta bastante gratificante. Este processo de (re)construção pode acontecer em qualquer fase da vida e para tanto, é necessário estarmos sempre atentos, cuidando, revendo e aprimorando nossa “Casa” interior ou nossa Alma, para desta forma construirmos alegrias genuínas e autênticas.
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