Depressão na Adolescência – Um olhar com respeito sobre o sofrimento de nossos jovens
A transição da infância para a vida adulta, exige do jovem um período de cerca de 10 anos de amadurecimento, de transformações intensas em todos os âmbitos da vida, comumente iniciando na pré-adolescência por volta dos dez anos e complementando-se na pós adolescência, aproximadamente aos vinte anos.
Pelo impacto das vivências que suscita, pode ser também chamada de crise da adolescência. Como crise, para que novas perspectivas sejam vislumbradas, muitas perdas devem acontecer, compondo o que convencionou-se chamar de lutos da adolescência. Estes lutos são necessários e fazem parte desta etapa da vida e a sua resolução ajuda o jovem a alcançar, ou não, a maturidade psicológica:
O luto pelos brinquedos perdidos se dá quando as brincadeiras, bonecas e carrinhos que antes eram fontes de muito prazer, já não encantam mais, exigindo que novos entretenimentos sejam descobertos. Companheiros de brincadeiras, antes amigos inseparáveis, podem não mais se entender e inimizades podem ocorrer.
O luto pelos pais da infância ocorre quando aos olhos dos filhos adolescentes, os pais que antes eram tidos como heróis, vão se transformando em pessoas humanas, falíveis, e até inadequadas, numa desmitificação necessária para que o jovem possa criar sua própria identidade e separar-se dos cuidados parentais.
O luto pelo corpo leva o pré-adolescente e o adolescente a uma constante adaptação a um corpo em constante transformação, que diferente a cada dia, nem sempre condiz com o perfil desejado ou sonhado.
Como se esta sucessão de perdas já não fossem difíceis o bastante, misturam-se ainda, aos desafios e cobranças constantes, à escolha da profissão e a todo o cenário de competitividade que ela traz, incluindo o momento do vestibular, a necessidade de manter-se financeiramente e de galgar uma independência pessoal. Presentes, também, nesse momento de profunda transição, estão as escolhas de seus pares afetivos, o início das vivências sexuais e a necessidade de corresponder às expectativas, não decepcionando os adultos importantes da sua vida.
Diante desse universo tão caótico, trancar-se no quarto, preferir universos virtuais e amparar-se em seus iguais, parece inevitável, pois tantas perdas e exigências geram vazios emocionais expressos em instabilidade emocional, momentos de tédio, desânimo, queixas, arrogância, isolamento, dúvidas, confusão, hostilidade, insatisfações, cobranças e tantos outros comportamentos característicos da adolescência que os pais e educadores conhecem muito bem.
Então, resta perguntar: em que momento estas ditas características típicas da adolescência ganham contornos preocupantes? Quando este isolamento se torna um indicativo de depressão? Quando este período ultrapassa o limite do desafio e transforma-se em perigo?
Há sinais importantes, que na literatura médica recebem o nome de sintomas, esses sinais podem se manifestar de forma distinta em cada adolescente. Nos aspectos psicológicos, surgem quando os apelos saudáveis da juventude já não cativam ou surpreendem; quando o tédio envolve situações antes empolgantes para o jovem; quando o isolamento surge mais acentuado do que as esquivas habituais; quando crises de choro, de ansiedade e angústias se tornam cotidianas e, desatenção, esquecimentos, baixo rendimento escolar, acrescidas de apatia, anedonia, e desmotivação, passam a gerar o sofrido ciclo de cobranças e conflitos familiares.
Passíveis de cuidados estão ainda, a irritabilidade, impaciência com alterações de humor mais intensas do que as naturais na adolescência. Como consequência desse quadro de sintomas, a autoestima do jovem também tão oscilante, tende a manter-se negativa. A ânsia do porvir e a crença no futuro, que geram temor e inspiração, transformam-se em ameaça e motivo de esquiva.
Muitas vezes, junto a estes comportamentos, o jovem começa a apresentar comportamentos autodestrutivos, como automutilação, uso excessivo de substâncias químicas, lícitas e/ou ilícitas, abuso de velocidade, ou seja, o jovem passa a envolver-se em situações que o colocam em risco físico ou social. Necessário lembrar que os riscos ficam potencializados pelo sentimento de onipotência, o qual faz parte do desenvolvimento e constitui um recurso necessário para ajudá-lo a atingir a vida adulta, mas que se mal conduzido leva o jovem a uma crença mágica de que nada de prejudicial pode lhe acontecer, uma espécie de indestrutibilidade imaginária.
Estes sinais e comportamentos de risco de depressão, muitas vezes, são banalizados pelos adultos, reduzidos a meios de “chamar a atenção” e em alguns casos podem realmente se tratar de um apelo de atenção, mas se esta é a intenção inconsciente, caberia nos perguntar a razão que levam estes jovens a usarem deste subterfúgio para se fazer notar?
Para não corrermos o risco de negligenciar um pedido de ajuda real, é melhor primar por excesso à errar por negligência, ou seja, é melhor que excedamos em cuidados do que deixemos um adolescente desamparado em sua angústia. Pesquisas alertam para um índice bastante expressivo de suicídios na adolescência, logo, é necessário estar atento.
Frente ao exposto, constata-se que a depressão na adolescência traz um grande desafio para pais, educadores e demais adultos envolvidos com o jovem, uma vez que encontram-se igualmente confusos com as mutações da adolescência e sintam-se, tantas vezes, perplexos com tamanha instabilidade no comportamento de seu filho. Aguçar a percepção, redobrar a observação e exercitar a sensibilidade são recursos indispensáveis para decifrar o enigma do possível quadro depressivo do adolescente.
Colocar-se disponível em tempo e acolhida, com paciência e perseverança, envolvendo o adolescente em um ambiente desprovido de censuras excessivas e críticas, incentivando- o a falar “o que sente” e “como se sente”, pode trazer efeitos positivos para todos os envolvidos e amenizar a angústia que o mundo dos adultos causa nos jovens. A sensação de segurança e confiança pode abrir as portas da clausura e ser um facilitador ao pedido de ajuda.
Para acolher uma pessoa que esteja sofrendo com a doença chamada depressão, seja criança, adolescente ou adulto, faz-se necessário desvencilhar-se dos preconceitos que tornam o paciente cada vez mais solitário. Superar estigmas de “fraqueza”, “falta de empenho” e “má vontade”, rótulos colocados de maneira inconsequente em seres humanos que já convivem com a culpa e autodepreciação. Vale lembrar que o acolhimento começa com a compreensão, a empatia, a presença afetiva e o envolvimento emocional, e, que encaminhar uma pessoa para avaliação profissional, consciente de sua fragilidade momentânea, constitui um ato de amor.
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