Capítulo XIII

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

CAPÍTULO XIII

SINTOMATOLOGIA DA CRIANÇA-FERIDA

Para que se possa auxílio às crianças-feridas vítimas de Abuso Sexual Incestuoso e Maus-tratos, faz-se imprescindível conhecer alguns sinais de alerta que dão indícios de que a criança está sendo vitimizada. São alguns indicadores e tipos de comportamento que mostram quando uma criança – mesmo aterrorizada e obrigada a se calar por seu agressor – está sofrendo violência.

Segundo a ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência165, certos sinais podem indicar que a criança foi ou está sendo vítima de abuso. Alertam que não se trata de regra geral, porque os sintomas fazem parte de um contexto. Mas funcionam como pistas:

[- Lesões físicas (hematomas, queimaduras, cortes, fraturas);

            – doenças sexualmente transmissíveis;

            – aparência descuidada e suja;

            – desnutrição;

            – doenças que não são tratadas;

            – distúrbio do sono (sonolência, pesadelos frequentes);

            – distúrbios na alimentação (perda ou excesso de apetite);

            – enurese noturna (urinar na cama);

            – distúrbio do aprendizado;

            – comportamento muito agressivo, apático ou isolado;

            – comportamento extremamente tenso, em estado de alerta;

            – regressão a um comportamento muito infantil;

– tristeza e abatimento profundo;

            – excessiva preocupação em agradar;

            – comportamento sexualmente explícito (ao brincar ela demonstra conhecimentos impróprios para a idade);

            – masturbação visíveis e contínua, brincadeiras sexuais agressivas;

            – relutância em voltar para casa;

            – não frequentar a escola por vontade dos pais;

            – faltar frequentemente a escola;

            – não participar das atividades escolares e ter poucos amigos;

            – ideias e tentativas de suicídio;

            – autoflagelação;

            – fugas de casa;

            – dificuldade de concentração;

            – choro sem causa aparente;

            – hiperatividade;

            – comportamento rebelde.]

A sintomatologia acima descrita amplia o campo de visão de algumas dificuldades infantis tidas como inexplicáveis. Desta maneira remete o profissional à questionamentos profundos acerca das crianças que lhe são confiadas, por exemplo, com “dificuldades de aprendizagem”, “falta de atenção” e/ou denominados “fracassos escolares”. Os procedimentos costumeiros são a realização de baterias de testes compondo uma Avaliação Psico-educacional, na qual os aspectos pedagógicos são enfatizados, muitas vezes, em detrimento da investigação emocional. Caberia portanto questionar como ficaria a criança-ferida vitimizada silenciada que não possui rendimento escolar satisfatório? Quem a libertaria da violência? Ou estaria ela fadada a sofrer mais uma uma vitimização, recebendo a alcunha de criança com deficiência mental leve, com baixo Q.I.? Tais avaliações, sob à ótica das dores emocionais torna-se bastante sombria.

  1. A. AZEVEDO & V. N. GUERRA 166, prevê alguns comportamentos passíveis de serem observados na escola:

            [1) Relações de grupo pobres;

            2) Inabilidade para concentrar-se; subida queda no rendimento escolar (N. B.: para algumas crianças vitimizadas a escola pode ser um paraíso, de modo que elas chegam cedo e saem tarde);

            3) Medo e esquiva de exame médico escolar;

            4) Relutância acentuada em particular de atividades físicas ou de mudar a roupa para atividades físicas.]

            No que tange à advertências, no momento relativas ao tratamento psicoterápico, faz-se necessário atentar para algumas precauções à serem tomadas quando se trata de tocar na ferida dos abusos físicos ou sexuais, uma vez que as crianças-feridas trazem para a terapia o segredo revestido em linguagem figurada que pode ser confundido com material inconsciente a ser interpretado, visto como fantasia e/ou confusão mental. T. FURNISS 167:

[Interpretar comunicações secretas no abuso sexual da criança como fantasia torna-se uma terapia antiterapêutica, provavelmente resultando em maior perturbação na criança. Eu próprio tive vários encaminhamentos de crianças pequenas que haviam sido rotuladas de “psicóticas” por terapeutas. Esses crianças apenas tentavam comunicar a realidade do abuso sexual que estava acontecendo, o que era tratado como fantasia e interpretado de acordo com isso. Essas interpretações induziam uma crescente confusão e perturbação nas crianças, que passavam então a ser vistas como psicóticas. No contexto dos problemas específicos do abuso sexual da criança como síndrome do segredo, as comunicações dessas crianças, que fora do contexto pareciam psicóticas, faziam perfeito sentido no contexto do abuso sexual.]

            Adverte e acrescenta T. FURNISS168, no entanto, que devido à dissociação que o ato extremado de violência física ou sexual pode desencadear no psiquismo da criança-ferida, os estados dissociativos das personalidade múltiplas, podem ocorrer:

[Os elementos interacionais e internos do abuso sexual da criança como síndrome de segredo anuladora da realidade pode criar formas extremas de dissociação na criança e na pessoa que comete o abuso. A dissociação e anulação da realidade por meio do segredo externo; a mudança do pai na ‘outra pessoa’. A criação do ‘tempo perdido’ e a criação do espaço físico entre o abuso e as intervenções não-abusivas; pelos rituais de entrada e saída, criam uma síndrome do abuso em que a nomeação e criação da realidade externa da experiência de abuso sexual torna-se um desafio e um tarefa terapêutica central. Essa tarefa, em sua forma extrema, está manifestada nos estados dissociativos das personalidades múltiplas, a forma extrema de incapacidade de criar uma realidade integrada da experiência.]

            Os estados de dissociação acima descritos, foram relacionados aos abusos sexuais, caberia no entanto, esclarecer que tais estados dissociativos são passíveis de ocorrer devido à espancamentos constantes, nos quais a criança-ferida necessita exilar-se do próprio corpo, conforme foi descrito no Mecanismo do Susto, para poder suportar a dor de sua realidade vitimizada.

Outro indicador de vitimizações domésticas, podem ser observadas no comportamento delinquencial, nas crianças-feridas em situação de risco social, conforme adverte HORSWELL in M. a. Azevedo & v. n. a. guerra 169: [é raro o delinquente juvenil que não foi vitimizado física e psicologicamente.]

  1. A. AZEVEDO & V. N. A. GUERRA 170, voltam à corroborar esta ideia ao demonstrar alguns comportamentos que crianças-feridas mais velhas costumam apresentar:

[1) Comportamento antissocial, delinquência ou comportamento sexual precoce;

            2) Gazeta à escola ou fuga de casa;

            3) Tentativas de suicídio e automutilação;

            4) Abuso/dependência de álcool ou drogas;

            5) Ataques histéricos]

Como os abusos são questões familiares, seria pertinente apresentar alguns comportamentos dos pais que podem ser decodificados como sinais de alerta, conforme descrevem M. A. AZEVEDO & V. N. A. GUERRA 171:

[1) Mostram pouca preocupação com a criança, sendo que raramente, por exemplo, quando o filho está na escola, respondem às demandas da mesma, comparecem às reuniões, às entrevistas marcadas com a coordenação pedagógica;

            2) Culpam o filho por problemas existentes no lar ou eventualmente na escola;

            3) Pedem ao professor que puna de forma física severa o comportamento da criança na escola;

            4) Vêem a criança como má, preguiçosa, causadora de problemas, um demônio;

            5) Exigem perfeição ou um nível de desempenho físico e/ou intelectual superior às possibilidades do filho;

            6) Vêem a criança como um ser que deve satisfazer as necessidades emocionais, de atenção e de afeto dos pais;

            7) Oferecem explicações contraditórias, não convincentes ou, não as oferecem, quando existem ferimentos na criança ou no adolescente;

            8) Apresentam uma história pregressa de violência  física doméstica;

            9) Empregam o disciplinamento corporal severo com o (a) filho (a);

            10) Defendem este tipo de disciplinamento como ideal no processo de educação.]

Igualmente, existem indicadores no vínculo pais/filhos, descritos igualmente por M. A. AZEVEDO & V. N. A. GUERRA 172:

[1) Raramente se tocam ou se olham;

            2) Consideram o seu relacionamento totalmente negativo;

            3) Afirmam que não se apreciam.]

            Para embasar a exteriorização comportamental das feridas, faz-se necessário rever as reflexões anteriores, acerca da instalação e perpetuação das vitimizações domésticas. Tal condição é fundamental para que se possa começa à viajar nos caminhos da cura, pois, neste momento, o que realmente se apresenta é uma criança-ferida já vitimizada, recentemente ou longinquamente abusada, uma criança profundamente ferida, que vai começar uma busca sagrada, a busca de si mesma. Parte desta busca, tem início no despertar corporal, conforme será visto à seguir.

  1. NOVA ESCOLA. São Paulo. Fundação Victor Civita. Outubro. 1993. Nº 70. P. 45.
  2. ABUSO SEXUAL DA CRIANÇA. Porto Alegre. Artes Médicas. 1993. P. 49
  3. Op. Cit. p. 36
  4. CRIANÇAS VITIMIZADAS: A síndrome do Pequeno Polegar. São Paulo. Iglu. 1989. P. 101.
  5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. São Paulo. Robe. 1995. P. 75.
  6. op. Cit. PP. 72-3.
  7. Op. Cit. p. 74.
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