A ausência afetiva do pai e filhas feridas

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

Na vida de uma mulher, apesar de seu modelo de identificação primeiro constituir a mãe, é o olhar do pai sobre o “feminino” que ajuda a menina a construir sua identidade como mulher, seu valor e seu potencial para viver sua feminilidade. E como afirma Schierse, (1, p. 122): “quando a imagem paterna está comprometida, também está a dos homens.”
Nos braços do pai, a menina observa o mundo, descobre suas regras e aprende a caminhar por ele, adquirindo confiança em si mesma para enfrentar possíveis percalços e desafios.
Paternagens inadequadas portanto, podem gerar as “Amazonas” modernas, uma geração de mulheres identificadas apenas com o “poder” masculino, desprezando sua sensibilidade e anulando suas possibilidades de entrega amorosa. Pelo desenvolvimento parcial e extremado dos aspectos masculinos estereotipados em controle e poder, perdem seu direito às emoções, exilando-se de seus sentimentos, de sua receptividade e de seus instintos femininos. São mulheres que estão reagindo à pais imaturos, irresponsáveis ou negligentes, aprisionadas em um necessidade de poder e controle, defendendo-se constantemente da vulnerabilidade paterna. Sua existência em geral, gera em torno de necessidades, limites e controles.
Podem ser mulheres obcecadas pelo sucesso profissional, aprisionadas às necessidades de desempenho, eficácia e destaque, não se permitindo relaxar e não admitindo entregar-se ao lado lúdico da vida. Buscam compensar a fragilidade, negligência ou ausência da função paterna, entregando suas vidas unicamente ao sucesso. Pela vivência unilateral de seu potencial, tornam-se deprimidas ou insatisfeitas, pois suas realizações são uma reação ao pai impotente e não uma escolha pessoal, e essa pseudo escolha as aliena de um legítimo sentido da vida.
Queixam-se de exaustão e de uma necessidade de construir relacionamentos gratificantes e duradouros, nos quais possam ser cuidadas e amadas, mas pelo seu próprio medo subjacente de rejeição, desconfiam e desprezam os homens, hostilizam a porção masculina de seus possíveis companheiros. Em geral, seu discurso é o de que os homens temem seu sucesso, mas, na realidade, seus pretendentes são incapazes de transpor a barreira com as quais essas mulheres se isolam e se (auto)protegem emocionalmente.
Há as filhas que se tornam exemplares, disponíveis para atender a todas as demandas do meio, acreditando-se amadas na proporção que se façam necessárias. Negam suas próprias necessidades pessoais, para satisfazerem as expectativas alheias, pois não se sentem no direito de existir e de afirmar-se no meio. São filhas que anseiam pelo amor de seus pais exigentes ou carentes, pais que precisam ser atendidos em suas necessidades ou em seus desejos.
Há filhas que cresceram buscando suprir o anseio de seu pai pelo filho menino ausente, meninas que assumem o papel de meninos em detrimento de sua feminilidade, pois o pai não abriu espaço psíquico para sua existência feminina, mantendo-as suspensas entre ser o garoto do papai ou atender seus anseios de tornar-se mulher.
As filhas de pais alcóolatras ou adictos, encontram pais psicologicamente frágeis e, na maioria das vezes, violentos e emocionalmente descontrolados, tornando-se cuidadoras e protetoras em seus relacionamentos. Tornam-se codependentes da instabilidade paterna e candidatas a assumirem relacionamentos abusivos ou a cuidarem de companheiros frágeis e também instáveis, acreditando que, caso sejam “boas cuidadoras”, recuperarão e transformarão seus parceiros.
As filhas exemplares e cuidadoras, facilmente podem se tornar “mártires”, pois, pelo bem dos demais, estão dispostas a abrir mão de suas próprias necessidades. Essa abnegação gera a contínua sensação de uso e abuso, repleta de ressentimentos que, não expressos, vão minando os relacionamentos afetivos e impedindo entregas verdadeiras.
A eterna “guerreira” está sempre de prontidão para defender-se do meio, sendo reativa ao extremo, tendendo a interpretar comentários neutros como provocações que devem ser combatidas. A combatividade as impedem de confiar e admirar aspectos masculinos, desprezando os homens que delas se aproximam. Seu lema é a oposição, principalmente relacionadas aos sistemas percebidos como autoridades.
Na contraposição, as mulheres, filhas de pais autoritários ou sedutores, podem desenvolver um padrão de funcionamento pueril, apegando-se à dependência, inocência e a impotência infantil, não amadurecendo, mantendo-se como eternas meninas desprotegidas, abrindo mão ainda, de seus anseios de independência. Costumam adquirir sua identidade, por intermédio de projeções ou expectativas que os outros construam sobre ela, podendo desta forma surgir, a boa filha, a mulher fatal, a esposa e anfitriã impecável, a musa inspiradora e até a heroína trágica.
Há mulheres que renunciam sua individualidade, moldando-se às expectativas de seus companheiros, transformando-se em “bonequinhas”, perpetuando o papel que desempenhavam para o pai, de encantamento e entretenimento. Evitam desenvolver suas potencialidades para não afrontar ou incomodar a superioridade paterna.
Outras mulheres renunciam o mundo concreto, exilando-se em mundo próprio e imaginário, tão imponderável, como a própria imagem idealizada do pai ausente, que muitas vezes não conheceu e com o qual não conviveu. Inventar histórias para romancear a ausência paterna, pode ajudá-las à estabelecer a distância emocional necessária para negar a dor de tê-lo perdido, bem como, para protegê-la do mundo real ao qual não foi apresentada pelo pai.
Um certo distanciamento do mundo real, repleto de demandas e compromissos, também ameaça as mulheres que optam por um estilo de vida “despreocupado” e descomprometido, não submetendo-se às convenções da sociedade que desprezam e, muitas vezes, apreciando afrontá-las. Uma forma despojada de ser infantil, mas com a mesma negação às responsabilidades por si mesmas, pelos relacionamentos e por sua própria vida, características das pessoas que temem e negam a entrada e participação na vida adulta.
Com sua espontaneidade e leveza tornam-se cativantes, pois vivem no mundo das infinitas possibilidades, desprovidas de objetivos e direção, habita o universo das fantasias, não sujeito as limitações do tempo ou da realidade. Essa falta de vinculação com o mundo externo, pode aproximá-las com maior facilidade do seu mundo interior, tornando-as mais intuitivas e afetas as questões artísticas e místicas da vida, conduzindo seus interesses, no entanto, com a superficialidade e descompromisso que lhes são peculiares.
Para as mulheres, portanto, os pais servem como bússolas a indicar o modelo e as expectativas, conscientes e inconscientes, que pretendem encontrar, ou não, no futuro companheiro. Tratam-se de expectativas inconscientes que as fazem “conectar” com pessoas que, de alguma maneira, reproduzam certos padrões de comportamento ou funcionamento conjugal, que foram incorporados, também inconscientemente, na relação com os pais. Curar as antigas feridas com o pai possibilita que a filha “faça as pazes” com seu passado e se liberte para vivência afetivas verdadeiras e profundas.
A libertação emocional permite a essas filhas feridas abandonarem modelos de sobrevivência emocional disfuncionais, repletos de relações superficiais, esquivas, fugas ou excesso de apego, que são cicatrizes, encobrindo medos e ressentimentos em suas camadas mais profundas. Acessar essas dores é um processo delicado e ameaçador, mas que precisa ser conquistado para que a própria vida volte a fluir e irrigar com amorosidade e verdade os novos vínculos que terão oportunidade de florescer.

Referência Bibliográfica
1 – Leonard, Linda Schierse. A Mulher Ferida: em busca de um relacionamento responsável entre homens e mulheres. São Paulo: Saraiva, 1991
2 – Corneau, Guy. Pai ausente, filho carente; Barueri, SP: Manole, 2015


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