A Ausência afetiva do pai na vida do homem

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

“Se meu pai foi o espelho em minha vida
Quero ser pro meu filho espelho seu”
“Espelho” – João Nogueira e Paulo César Pinheiro

A ausência do pai, contada e cantada na voz de um filho saudoso, reflete com poesia e muita sensibilidade, a necessidade do filho de encontrar uma imagem a se inspirar, uma figura paterna presente, inspiradora e passível de ser amada e admirada. A premência de ter um “pedaço de quem nos concebeu”, de construir a própria história a partir de referências estáveis, confiáveis e norteadoras, são necessárias inclusive, para se tornarem suporte e espelho para seus descendentes.
Pela importância e função estruturante, a paternidade veem sendo resgatada e valorizada como uma presença necessária desde os primeiros anos de vida dos filhos e filhas. A presença de um pai é um presente para a vida do bebê, oferecendo um abraço diferente do aconchego materno, pois é uma acolhida que “segura”, ao mesmo tempo, que prepara para a liberdade.
A presença psicológica do pai, permeia portanto, a relação do menino com a mãe ou com as figuras femininas cuidadoras e que, muitas vezes, apresentam uma dificuldade expressiva de lidar com os aspectos mais primitivos do masculino, mais instintivos e impulsivos. Aqui não se trata de gênero, mas de características psicológicas que compõem a face masculina do ser humano.
A ausência do pai ou o exercício da paternagem inadequada pode tratar-se de, além do abandono físico, o abandono psicológico; a indiferença; a competição velada ou declarada em relação ao potencial do filho; a opressão e o autoritarismo; a violência; a instabilidade e a fragilidade de pais adictos; enfim, “antimodelos” que levam seus filhos a desprezarem qualquer possibilidade de se parecerem com aqueles que os geraram.
Nesta dinâmica, geralmente destrutiva e disfuncional, estabelecida entre os primeiros cuidadores e a formação da personalidade, podem causar feridas profundas e gerar infinitos perfis. Mas apesar de sua diversidade, algumas características costumam se fazer presentes com maior frequência, possibilitando o delineamento de alguns perfis mais marcantes e padronizados:
A ausência da figura paterna por abandono físico ou emocional, pode gerar a busca por um pai idealizado ou levar à construção de uma imagem de homem idealizada, “de como um homem deveria ser”, e para tanto, podem surgir aspirações heróicas, fazendo o filho se transformar no herói imaginário que acredita ter sido seu pai. Orgulho, força, ambição, perspicácia, eficiência e determinação são seus maiores atributos, e esses talentos devem ser admirados e venerados, uma vez que a “imagem” é a porção da personalidade mais valorizada e cultivada, em detrimento de suas necessidades emocionais.
Por suas façanhas estarem distantes de raízes emocionais, é comum serem invadidos por sensações de vazio, depressão e inferioridade. Independentemente das conquistas alcançadas, convivem com cobranças constantes e sentimentos de insuficiência, uma vez que, identificados com heróis, suas performances podem se tornar utópicas e inacessíveis, sempre aquém do esperado por si mesmos e impossíveis de serem encontradas em figuras masculinas reais.
Um desdobramento do comportamento heroico pode estar no desempenho do papel de “bom menino”, no qual efetivamente as próprias necessidades são negligenciadas. Primando por qualidades como bom, compreensivo, gentil e educado, faz tudo para anular sua revolta e seu senso de autoafirmação, podendo refugiar-se cada vez mais no comportamento passivo, diante das provocações, injustiças e desmandos externos. No entanto, essa submissão é superficial, uma vez que reprime dentro de si um arsenal agressivo e imprevisível, passível de ser desencadeado por intermédio de qualquer evento inusitado que burle seu excessivo controle e rigidez emocional.
Outra peculiaridade do “bom menino” é a de guardar um “vício oculto”, como jogo, álcool, pornografia, gula, preguiça excessiva, ou seja, qualquer comportamento disfuncional que se oponha à correção e lisura esperados. Trata-se de uma espécie de compensação pelo comportamento polarizado bom e mau. Ainda baseado em um funcionamento por opostos, no decorrer da sua vida, o “bom menino” pode tornar-se vingativo, desdenhoso, rancoroso, usando a manipulação e a chantagem para exercer seu poder sobre aqueles que lhes são caros ou necessários.
Uma maneira descolada e divertida pode encobrir um desprezo excessivo pela sociedade convencional e suas regras. Simpatia, malícia, deboche e um “ar” de superioridade constituem o encanto do eterno adolescente, que despreocupadamente, evita vínculos afetivos e compromissos de qualquer ordem. Sonhos de sucesso irrealizáveis, devaneios e aspirações inalcançáveis são seu antídoto contra a disciplina, os limites e a passagem do tempo. A ausência de um modelo paterno norteador deixa-o sem bússolas para caminhar na realidade das demandas existenciais.
Outro perfil bastante sedutor é do homem inexpugnável, aquele que através de seu encanto, conquista várias mulheres, mas é incapaz de estabelecer um vínculo estável com qualquer uma de suas pretendentes. Muitas vezes, sente-se confortável em “triângulos amorosos”, nos quais um dos envolvidos sempre encontra-se não disponível para um relacionamento à dois. Nesses casos, o homem relaciona-se de forma fragmentada com as mulheres, apreciando características parciais de cada uma, sendo capaz de apreciar a inteligência em uma, apenas a beleza de outra e, ainda, o senso de humor de uma terceira, ou seja, pela precária identidade e unicidade de si mesmo, também se relaciona com as mulheres como objetos parciais. Fragmenta portanto, seus amores com a mesma fragmentação com a qual vivencia a si mesmo.
Tornam-se irresistíveis ao reconhecer e valorizar detalhes únicos em suas eleitas, ainda que a duração deste encantamento seja efêmera e passageira. A intensidade com a qual se lança em cada possibilidade de amor, o transforma em um amante apaixonante e desafiadoramente desejável.
Pela sedução que caracteriza seu modelo de relacionamento afetivo, que muito promete mas nada de fato oferece, somente perde na destrutividade, para o modelo Narcisista de relação, na qual apenas as necessidade do indivíduo narcisista são consideradas, transformando suas vítimas em “objetos” à serviço de seus desejos. Por perceber-se apenas como uma “imagem” a ser adorada e admirada, costuma tratar seus cônjuges como acessórios para seu “brilho”.
Outro perfil perturbador, que retrata absoluta falta de limites paternos, é composto pelos exilados sociais, os chamados “delinquentes” ou revoltados, meninos que foram privados da disciplina e autoridade paternas, abandonados à mercê de seus próprios impulsos destrutivos, incapazes de conter ou controlar de forma construtiva sua agressividade. O pai frágil ou negligente, foi incapaz de estabelecer parâmetros e limites para que esses meninos estruturassem regras de convívio social adequadas, deixando-os à margem das leis que regem a sociedade civil, relegando-os às sociedades marginais regidas pelas suas próprias leis “fora da lei”, ou seja, despóticas e violentas.
Muitos destes órfãos das leis e das possibilidades de identificação paternas, vagam pelo mundo em busca de pais substitutos e inspiradores, sejam eles, idealizados ou emprestados, heróis ou bandidos, fortes ou sensíveis, ou seja, pais capazes de guiá-los na vida, e, que um dia lhes possibilitem escrever histórias paternas afetivamente bem sucedidas e transformadoras, como já sonhou o Poeta:
“A missão de meu pai já foi cumprida
Vou cumprir a missão que Deus me deu
Se meu pai foi o espelho em minha vida
Quero ser pro meu filho espelho seu”.

Referência Bibliográfica

1 – Leonard, Linda Schierse. A Mulher Ferida: em busca de um relacionamento responsável entre homens e mulheres. São Paulo: Saraiva, 1991
2 – Corneau, Guy. Pai ausente, filho carente; Barueri, SP: Manole, 2015


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