Inteligência Emocional…expressando e governando nossas emoções!
Essenciais para a sobrevivência humana, as emoções são espontâneas e surgem frente à estímulos vindos do mundo externo, desencadeando impulsos e respostas fisiológicas, induzindo-nos para que tomemos alguma atitude imediata. Pela sua urgência, as emoções costumam ser mais intensas e autônomas que os sentimentos, uma vez que estes, apesar de terem origem nas emoções, já são sua forma um pouco mais depurada e permanente, pela intervenção relativa da consciência. No entanto, o que importa mesmo, é o fato de que, seja pelas emoções ou pelos sentimentos, somos obrigados a adentramos em mundo mais subjetivo e inconsciente, no qual a lógica e a previsibilidade não imperam, podendo nos transformar em “escravos” ou “senhores” de nosso complexo universo emocional.
Atualmente, as competências emocionais que devem ser desenvolvidas para melhor navegarmos neste universo, pertencem ao âmbito da chamada Inteligência Emocional, ideia que vem ganhando espaço e adquirindo a legítima importância e premência que sempre deveria ter tido no contexto da educação e formação humanas. Seria como se incluíssemos nas disciplinas escolares a Alfabetização Emocional, ou o aprendizado das “aptidões básicas do coração”, conforme sugere Daniel Goleman. (1)
Este aprendizado emocional envolveria a percepção e identificação dos próprios sentimentos, levando a criança e/ou o adulto à canalizarem de forma construtiva suas emoções, habilitando-os a superarem desafios e a motivarem a si mesmos à buscarem e realizarem seus ideais. Lembrando ainda que, somente quando conseguimos entender e aceitar a nós mesmos com nossas competências e vulnerabilidades, nos tornamos mais humanos para entender e aceitar as emoções das outras pessoas, tornando a realidade social mais acolhedora, igualitária e transformadora.
O caminho para que esta Alfabetização Emocional tenha êxito, deve necessariamente passar pelo aprendizado cotidiano de “lidar com nossas emoções”. Transformar todos aqueles “emojis” que a comunicação virtual nos oferece em emoções vivas, transformando em afetos reais as carinhas e os ícones cibernéticos.
Mas afinal o que quer dizer “lidar com as emoções”?
Como “lida”, estamos falando do trabalho cotidiano de cultivarmos nossa terra emocional, arando o território das emoções e sentimentos, remexendo e identificando as ervas daninhas, para retirá-las, selecionando as sementes mais construtivas para (re)plantá-las, permitindo que a chuva de nossas lágrimas reguem nossa alma e que nossas dificuldades e destrutividades emocionais se transformem em adubo redentor, nutrindo as sementes saudáveis das nossas virtudes. E as colheitas virão dos frutos que poderemos compartilhar em nossos relacionamentos interpessoais.
“Lidar com as emoções” significa portanto, tornar-se capaz de identificar e dar nome a tudo aquilo que estamos sentindo, mesmo as emoções e sentimentos mais intrincados e sutis. Lembrando que qualquer emoção mal conduzida, se excessiva ou reprimida, pode gerar disfunções no mundo interno ou conflitos no mundo externo, existindo ainda, as emoções mais contraditórias e comprometedoras, das quais muitos sentimentos insalubres derivam, tais como a raiva, o medo e a culpa.
Uma das emoções bastante perturbadora e frequentemente negada é a raiva. Talvez por uma aspiração de angelitude, temos muita dificuldade em admitir que sentimos raiva, que ficamos bravos e que não estamos conseguindo perdoar alguém. A raiva é um dilema antigo, já identificado e comentado por Aristóteles antes de Cristo: Qualquer um pode zangar-se – isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é fácil.” (1, p. 12)
A agressividade, portanto, continua sendo muito discriminada, julgada apenas pelos seus aspectos negativos, como a raiva e a ira, por exemplo. Esquecemos que agressividade também é força, energia, dinamismo, espírito empreendedor, e que quando bem canalizada, esta disposição para agir pode transformar-se em mola propulsora de nossas realizações no mundo externo. Precisamos de garra, de certa combatividade positiva para construir e realizar nossos projetos e sonhos e este combustível encontra-se justamente no acesso saudável que tenhamos com a nossa agressividade.
No que se refere a raiva especificamente, precisamos identificar e falar sobre o que realmente nos tenha afetado, buscando compreender se a indignação gerada, está ou não, proporcional ao evento que a desencadeou, esforçando-nos para perceber “com o que” e “com quem” realmente nos zangamos e se a raiva suscitada pertence realmente a situação presente ou se está alicerçada em vivências passadas, ou seja, se a raiva é dirigida apenas ao chefe de hoje ou se é parecida com a raiva que foi sentida pela autoridade excessiva de um pai despótico.
Muitas vezes nós adultos temos emoções guardadas no fundo da gaveta que são desencadeadas por situações da vida presente, e, infelizmente por costume, ensinamos nossos filhos(as) a também guardarem suas emoções nas gavetinhas, perpetuando o hábito de tentar “esquecer” aquilo que nos perturba. Mas nenhuma emoção se deixa aprisionar, pois a emoção sempre encontra um jeitinho de se insinuar. Sempre escapa um pouquinho, travestindo-se em dores no corpo, ansiedade ou comportamentos inadequados.
A raiva é uma dessas emoções bastante teimosa e que insiste em se fazer notar, nem que seja de forma bastante indireta e às vezes até travestida de bondade. A psicóloga Ivani Alves de Lima Carollo, especialista em Terapias Corporais, nomeia de perversidades inconscientes aquelas pequenas “maldadezinhas” ou “errinhos” que fazemos e para os quais temos a desculpa de “não termos culpa”.
Para ilustrar, costuma usar como exemplo, a mãe de família que costumeiramente acolhia os filhos adultos no domingo para o almoço, mas que num determinado domingo, ao acordar sem disposição para cozinhar e incapaz de assumir para si mesma ou para sua prole de que não desejaria fazê-lo naquele dia, lança mão de toda a sua boa vontade e prepara o tão esperado almoço. Mas, quando todos estão à postos para saborear a comida materna, eis que o prato principal está excessivamente salgado e que, por consequência, não poderá ser degustado. Neste momento, percebe-se que quem salgou o prato foi a raiva inconsciente da mãe que naquele dia preferia estar passeando no parque à estar cozinhando. Foi a perversidade inconsciente que agiu de seu jeito sorrateiro, mas eficiente, no seu propósito de manifestar sua contrariedade.
“Perversidade inconsciente” está presente portanto, nas pequenas “sabotagenzinhas” que fazemos em nosso dia-a-dia, sabotagem com os outros ou conosco mesmos. Sabotagem na psicologia é tudo o que impede que situações sejam bem sucedidas. São aquelas coisas que tem tudo para dar certo, mas que não se sabe porque dão erradas, feito o prato excessivamente salgada. “Salgamos” nossas possíveis realizações, movidos por emoções que ignoramos ou negamos, e que efetivamente desconhecidas, a nos também surpreendem e desconcertam.
Outra sabotagem da raiva muito comum, também nomeada pela psicóloga Ivani, é a dificuldade de “desbrigar”, ou seja, trata-se da quase impossibilidade que algumas pessoas possuem de “fazer as pazes”, de virar a página, mesmo quando todos os pontos do conflito já foram resolvidos. Permanecem por vários dias atrelados a raiva, alimentando-a e perpetuando-a, nem que seja em detrimento de seus próprio bem estar. Permitem que o mal-estar da discussão permaneça por um tempo muito maior do que o necessário, punindo a si mesmo e aos demais envolvidos.
A raiva quando não resolvida vai minando muito os relacionamentos, vai se infiltrando nas conversas na forma de ironia ou deboche, tornando as pessoas hostis e/ou mal-humoradas. A raiva pode ser ainda, incapacitante ou aprisionante, pois quando muito reprimida, gera medos difusos, falta de assertividade, dificuldade de socialização, de afirmação, baixa autoestima e tantas outras manifestações equivocadas. A raiva por muito tempo engolida e não expressa vai se transformando em mágoa, depressão, frustração e insucesso.
A ideia de que “todas as emoções são permitidas, mas as ações são limitadas” (Haim Ginott), pode ser um norteador para que nos permitamos sentir com autenticidade, sem gerar danos ao nosso meio ou a nós mesmos. Posso sentir raiva, medo ou qualquer outra emoção, com a responsabilidade de saber conduzi-las para que não se tornem destrutivas. Todas as emoções são naturais e fazem parte do repertório humano, portanto aprender a administrá-las é um sinal de maturidade.
Como já foi dito anteriormente, importante seria dar início a este aprendizado na infância, e para ajudar a criança a expressar suas emoções, pode-se estimulá-la a fazer uso de materiais criativos – lápis, canetas, giz de cera, cartolina, quadro negro, argila – como veículos de expressão. Incentivá-la a desenhar a raiva, modelar seu medo, pintar sua tristeza, tentando de alguma maneira dar forma ao que está “guardado dentro do coração e que está difícil de sair!”, conforme me explicou uma menininha de quatro anos certa vez. Fazer uso ainda de fantoches, historinhas e teatro, também são recomendáveis. As crianças são muito criativas e aderem com facilidade ao uso da imaginação para “falarem” de seus sentimentos.
As emoções uma vez expressas, tornam-se mais “concretas”, passíveis de serem “tocadas”, “contadas” e analisadas, possibilitando que sejam encontrados recursos para solucionar os conflitos delas decorrentes. Quando desenha um bicho que a assombra, por exemplo, a criança pode conversar com o bicho, sentir-se mais forte para enfrentá-lo e/ou expulsá-lo do seu coração e/ou de seu quarto, ou “falar” de suas dificuldades, como fez uma menininha de 3 anos e 10 meses que “contou”, através do desenho de “florzinhas tristes” sozinhas na escola, que um amiguinho estava brigando com ela no recreio. O medo é também, uma das emoções paralisantes que pode promover um estado de alta tensão corporal, com bloqueios respiratórios, retraimento social e ansiedade.
Para o medo e para a raiva, portanto, igualmente atividades que envolvam movimentos corporais expressivos são recomendados, pois algumas crianças e adultos, tem mais facilidade em expressar corporalmente o que sentem, logo brincadeiras como boliche, tiro ao alvo (com dardos não pontiagudos), João-bobo, sacos de areia para socar e chutar, são recomendados para descarregar sentimentos de raiva ou frustração. Lembrando que movimento possui direta relação com as emoções, conforme enfatiza A. LOWEN (3, p. 75) “a palavra emoção significa movimento externo, para fora ou de fora. A emoção pode ser definida como o movimento emergente de um estado de excitamento de prazer (emoções de bem estar) ou dor (emoções de emergências).”
Criar um “Cantinho da Raiva” ou “Cantinho das emoções difíceis”, ou outro nome que a criança e a família lhe atribuam, é outra alternativa saudável, pois será um espaço criado no universo familiar para que as pessoas que estão precisando “desabafar”, possam expressar suas emoções de forma criativa e construtiva. Os recursos e materiais criativos devem estar disponíveis neste cantinho, que diferentemente do Cantinho do Pensamento, bastante em voga atualmente, propicia, além do pensar ou tomar consciência de sua emoção, um meio de devidamente expressá-la.
Recursos semelhantes portanto, podem ser usados por adolescentes e adultos, cada qual produzindo e “tocando” suas emoções dentro das suas possibilidades de expressão gráfica ou plástica, com os materiais adaptados às suas preferências. Os adultos costumam utilizar a escrita com muita frequência, escrevendo diários, relatórios ou cartas para descreverem seus conflitos.
Todos estes recursos podem e devem ser usados como facilitadores e associá-los sempre que possível com o ato de “falar”, estimulando as pessoas, tanto no meio familiar, como escolar ou social, à verbalizarem suas emoções, sem julgamentos, com a compreensão de que dois ou mais sentimentos contraditórios podem coexistir; que quando mais identificamos e aceitamos nossas emoções, mais aprendemos a confiar em nossas percepções e maior controle conseguimos estabelecer sobre os comportamentos delas decorrentes, tornando-nos mais conscientes de nós mesmos.
Importante esclarecer que administrar as emoções de maneira saudável é diferente de negá-las ou reprimi-las. Estas manobras defensivas seriam o que chamamos de “não entrar em contato com os sentimentos”, levando-nos a aprisioná-los dentro de nós, intoxicando-nos com o passar do tempo. O controle saudável vem do ato de “entrarmos em contato com os nossas emoções e sentimentos”, responsavelmente canalizando-os, através do uso equilibrado da razão.
Desenvolver aptidões emocionais básicas portanto, consiste em aprender a lidar com as discordâncias e a pensar antes de agir. Desenvolver habilidades para interpretar de maneira saudável os eventos diários, bem como, desenvolver a autoconfiança com estratégias para a superação das dificuldades.
Esta compreensão de nosso próprio mundo emocional propicia uma empatia para com os sentimentos dos outros e maior aceitação das suas emoções, capacitando as pessoas a estabelecerem relacionamentos interpessoais mais gratificantes.
REFERÊNCIAS:
1 – Goleman, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro. OBJETIVA. 1995
2 – Faber, Adele & Mazlish. Pais Liberados/Filhos Liberados. São Paulo. IBRASA, 1985
3 – LOWEN, A. PRAZER. São Paulo. Summus. 1984. p. 75.
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