Mulher: escolhas que libertam e cobranças que aprisionam!

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

MULHER: escolhas que libertam e cobranças que aprisionam!

Ser mulher é tecer uma identidade a partir de muitos referenciais. Alguns construtivos e enriquecedores, outros menos saudáveis ou libertadores. Conforme afirma Winnicott: “Para toda mulher, há sempre três mulheres: ela menina, sua mãe e a mãe da mãe”

As heranças emocionais de nossas mães, avós e de nossas ancestrais pulsam em nosso inconsciente como a ditar uma sina a ser seguida ou ignorada. Quando as mulheres da família foram gratificadas em sua vivencia de feminilidade, todas as mulheres da família comungam do mesmo ideal de integridade. Mas caso suas vivências foram marcadas por frustrações e dissabores, também suas herdeiras trarão na Alma está inscrição sombria.

A identidade da mulher por séculos foi traçada a partir do homem que a nomeava. Ser esposa e escolhida era garantia de sucesso social, ao menos garantia de legitimidade social. Se um homem não a elegeu por certo é por “não ser boa o suficiente”. Este texto aparentemente tão antigo, não é apenas herança do passado, mas um lema que parece ecoar até hoje no íntimo das mulheres modernas, que esquecidas de suas conquistas pessoais, almejam um homem que as escolha e as validem.

Vejo estudantes, profissionais e mulheres realizadas profissionalmente, que empalidecem frente a perspectiva de não serem eleitas. Mulheres que não se reconhecem como autônomas, estando atadas a necessidade de encontrar alguém, e, “necessidade” sempre enclausura, nunca liberta. São mulheres que não conseguem ficar sozinhas com suas próprias realizações, necessitando de um parceiro que dê sentido a sua vida e até a estas mesmas realizações.

Há um livro cujo título já resume a gravidade do conteúdo: “Mulheres inteligentes e escolhas insensatas”, tratando da fragilidade da mulher frente ao amor, ou ao que assim nomeiam esta incapacidade de nutrir-se de si mesmas, de carecer de um príncipe que venha de terras distantes e preencham suas almas. O livro resume a carência da mulher e a busca incansável por completar-se em um “amor”, apesar de já serem seres completos, ainda que assim não se reconheçam.

Quando muitas destas mulheres tentam preencher-se de si mesmas e consigo mesmas, tantas vezes veem surgir uma voz do passado, das mulheres conservadoras de sua família, que ressuscitam a pergunta desconcertante: “E aí, como vai o namorado? Você ainda não tem namorado?” E esboçam a mesma ancestral face de decepção frente à uma negativa. Estas cobranças aparentemente inocentes, muitas vezes trazem uma advertência velada, induzindo as jovens mulheres a não contraporem a sina de realização feminina a partir de um homem, impedindo-as de trilhar novos caminhos de autonomia e liberdade. No entanto, mães e mulheres que se realizaram como pessoas, sejam com o casamento ou com a profissionalização, tendem a libertar e incentivar suas filhas a escreverem as próprias histórias, processo descrito por Evelyn Bassoff:

“É sonhando que as mulheres imprimem magia no mundo das filhas. É alçando as velas de seu navio que elas salvam as filhas entre ‘as águas tempestuosas’. É com a felicidade que lhes nasce da unicidade que conseguem abrir o casulo – o segundo útero – do qual as filhas emergem intactas, com personalidade própria e, tal qual as borboletas, saem voando.” (p. 121)

“As águas tempestuosas” talvez sejam os próprios estereótipos com os quais a sociedade tenta reduzir a imagem da mulher, limitando seu valor a beleza de seu corpo, que ainda é continuamente tratado como um objeto, ou “um fetiche para admirar ou brincar”, conforme denuncia ainda a autora. A maioria das mulheres não está satisfeita com o próprio corpo, porque provavelmente seu corpo deve ter curvas e saliências que não condizem com a indústria da beleza ou com o modelo dos comerciais de moda. Falamos da já tão decantada “ditadura da beleza”, gerada há algumas décadas, e, que apesar dos avanços intelectuais das mulheres modernas, continua a aprisionar o sentimento de autoestima e ofuscar a imagem que possuem de si mesmas.

Conquistamos o universo do intelecto e da profissionalização, diferente de nossas avós, mas fomos surpreendidas por um modelo de “magreza” que não atormentaram nossas ancestrais. De novo, o feminino é rebaixado e enfaixado por expectativas limitantes.

A vivência da maternidade também está envolta na mesma perplexidade ou júbilo de nossas avós e mães. Atualmente, aparentemente as mulheres tem opção de escolher se desejam ou não ser mães, mas estas mulheres também enfrentam a desconcertante pergunta: “E aí, quando virão os filhos? Já está na hora de ter filhos, não é?” E de novo a mesma decepção ancestral nos rostos familiares. De novo a angústia de estar sendo diferente, de estar quebrando o tabu da maternidade inevitável.

Importante enfatizar que ser mãe é uma jornada muito mais complexa do que satisfazer os anseios da sociedade.  Para almejar ser mãe é preciso ter tido a graça de ter sido embalada pelos braços de uma mãe acolhedora ou que tenha tido a coragem de transpor o não afeto, ou o afeto atrapalhado de uma mãe emocionalmente ausente, imatura ou carente. As representações maternas que a mulher carrega consigo, sejam boas ou não satisfatórias, devem ser revistas e superadas, propiciando que a futura mãe faça uma escolha autêntica.

Libertar-se de sua própria mãe requer reconhecer a humanidade de sua mãe, desvencilhando-se do mito da maternidade idealizada e, ao mesmo tempo, preservando a identificação com este Arquétipo Materno, para guiá-la nesta jornada. Uma mulher que tenha acolhido a si mesma, se tornado mãe de si mesma, coloca-se disponível para acolher uma nova vida, seja gerada em seu útero ou em sua alma.

Ser namorada…noiva…esposa…ou mãe, ainda são destinos inquestionáveis na vida das mulheres modernas, apesar de todas as conquistas femininas individuais e coletivas. Cada mulher precisa libertar a si mesma destas ditaduras ancestrais e inconscientes que aprisionam suas escolhas. As autênticas liberdades de “ser’ começam sempre na intimidade das pessoas e aos poucos vão esvoaçando e tocando os grupos e o coletivo.

Cada mulher precisa libertar-se da culpa de buscar seus vôos, que talvez superem as conquistas de sua mãe, superando ainda o medo de perder o amor materno caso a supere, caso se case, se profissionalize ou seja si mesma. Muitas autossabotagens das mulheres modernas surgem do medo de não serem aceitas por suas mães e por medo de que suas conquistas as afastem delas. Mulheres promissoras e criativas muitas vezes, adoecem, enlouquecem, emudecem para não contrapor ou superar o destino materno.

Conforme enfatiza Evelyn Bassoff: “A hipótese de Kim Chernin está corroborada por minha experiência clínica. Já trabalhei com muitas garotas e mulheres que sofrem porque no íntimo acreditam que o sucesso delas no mundo é uma traição à mãe, já que comprovam o malogro dela.” Carregar as frustrações e “as vidas não vividas” das mães é um peso asfixiante.

Ditaduras emocionais e comportamentais, infelizmente não afetam apenas as mulheres, mas ainda aprisionam e tolhem muitas expressões humanas, sejam masculinas ou femininas. A liberdade é um direito humano, e cada pessoa cerceada precisa tomar consciência de suas amarras e desatá-las. A presente reflexão destina-se a cada jovem ou madura mulher que busca uma escolha legítima e autêntica. Mulheres que querem se desvencilhar com segurança das cobranças ancestrais e estereotipadas de um feminino limitado por “deveres” e “expectativas”. Mulheres que ainda estão tentando reafirmar sua identidade de pessoa única e autônoma.

Mulheres que querem semear suas vidas com sementes saudáveis e transformadoras, nas palavras de Nan Hunt, “a vida de uma mulher pode produzir várias e diferentes colheitas…cada qual na estação adequada!” Vivendo com intensidade e plenitude cada estação de si mesmas.

Enfim, mulheres seguras de suas “escolhas”, sem culpa ou sentimento de inadequação.  Aptas a amarem alguém não para se completar mas para acrescentar algo a uma vida já plena. Aptas a serem mães porque desejam acompanhar e ver florescer outra vida e não pela necessidade de atender uma fatalidade instintiva.  Conforme exalta Rainer Maria Rilke: “Algum dia haverá meninas e mulheres cujo nomes não mais significarão meramente um oposto do masculino, mas algo em si mesmo, algo que faça pensar não em algum complemento e limite, mas apenas em vida e existência: o ser humano feminino”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Zalcberg. Malvine, A RELAÇÃO MÃE E FILHA. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003

Bassoff, Evelyn. MÃES E FILHAS: a arte de crescer e aprender a ser mulher. São Paulo. Saraiva. 1990

Zweig, Connie Org. MULHER: em busca da feminilidade perdida. São Paulo. Editora Gente. 1994

Cowal, Connel. MULHERES INTELIGENTES, ESCOLHAS INSENSATAS. Rio de Janeiro. Rocco. 199