Abuso Psicológico: quando as palavras ferem!

Por Polyana Luiza Morilha Tozati em

ABUSO PSICOLÓGICO: quando as palavras ferem!

            O Abuso Psicológico, também denominado de abuso mental, e no contexto jurídico nomeado de Assédio Moral, trata da submissão de uma pessoa à outra que a humilha, amedronta, desrespeita e ou a abusa emocionalmente. O indivíduo que agride, direta ou sutilmente, tenta estabelecer seu poder sobre o outro. E em relacionamentos nos quais o poder e a subjugação imperam, o amor certamente está ausente, conforme advertiu Carl Jung: “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.”

O abuso emocional, é composto por uma série de comportamentos perversos, que necessariamente não envolvem o abuso físico, ainda que com ele possam coexistir e, caracterizam-se por atitudes dissimuladamente hostis, como insultos, indiretas, brincadeiras ofensivas ou considerações negativas e vexatórias, que devido à sua reincidência passam a deteriorar a autoestima e a minar o autorrespeito e a consequente capacidade de defesa ou autoafirmação das pessoas que a estes abusos se submetem.

No presente estudo será convencionado que as pessoas que infringem os abusos, serão chamados de agressores e aqueles que a eles se submetem, serão chamadas de vítimas ou agredidos. A comunicação perversa, verbal ou gestual, será a designação dos comportamentos abusivos.

CONTROVÉRSIAS TEÓRICAS

Este ainda é um tema controvertido, principalmente no que se refere aos termos empregados. Algumas abordagens psicológicas estão centradas no indivíduo e enfatizam o funcionamento intrapsíquico como norteador exclusivo do processo abusivo e outras, atribuem às relações interpessoais, a gênese ou manutenção deste processo.  Logo, uma análise interpessoal se faz necessária para evitar o risco de taxar e restringir as vítimas à “cúmplices masoquistas”, como se inconscientemente, desejassem e precisassem destas punições. Estes aspectos podem fazer parte do processo, mas não devem ser considerados únicos na análise, uma vez que se estaria aprisionando ainda mais a vítima.

Em contrapartida, na análise psicológica do perverso, também é preciso muita precaução, com igual isenção e cuidado, pois ainda que a perversão possa ser enquadrada como um mecanismo de defesa, não justifica a geração de vítimas e destruições ao seu redor. Numa busca de síntese, transpondo raciocínios excludentes, caberia citar uma nova disciplina de formação acadêmica que surgiu recentemente no campo da Criminologia, chamado Vitimologia. Na França, no entanto, esta especialidade é reconhecida desde 1994, consistindo em uma formação universitária, destinada à médicos de emergência, psiquiatras, psicoterapeutas, juristas e a outras áreas afins.  (1, p. 15).

A vitimologia estuda os processos de vitimização, suas consequências e o que leva uma pessoa a tornar-se vítima e manter-se como tal. A partir dos danos emocionais que geram, o abuso psicológico, também denominado e presente no assédio moral, está ganhando importância no universo das Ciências Humanas.

Outro termo controvertido deste estudo, refere-se à própria definição de perversão, por alguns estudiosos considerado um processo psicopático, no entanto, Marie-France Hirigoyen (1, p. 13), psiquiatra francesa do campo da vitimologia e uma das precursoras do estudo do assédio moral, assim observa: “a perversidade não provém de uma perturbação psiquiátrica e sim de uma fria racionalidade, combinada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos.”

A presente discussão dará maior ênfase ao ponto de vista da vítima e ao processo perverso, uma vez que algozes e psicopatas estão bastante em voga ultimamente, portanto deter-se no estudo da vítima e do processo de vitimização emocional, faz-se oportuno.

CARACTERÍSTICAS DO ABUSO PSICOLÓGICO

O abuso psicológico ou assédio moral, pode tratar-se de uma violência privada, entre os casais ou nas famílias ou, ainda, no ambiente público, como nas empresas ou escolas. Traz como denominador comum, um modelo de comunicação perversa, por sua vez, caracterizada por uma linguagem indireta, deformada, mentirosa, sarcástica, com uso da derrisão, (riso zombeteiro; comentário feito com escárnio) e de desprezo, desqualificadora, usada como instrumento de agressão, com o intuito de dominar ou subjugar o outro.

O processo perverso ou abusivo, pode ser utilizado por qualquer pessoa em algum momento da vida. No entanto, o que o torna destrutivo é sua frequência e repetição no tempo, com a ressalva de que em geral, as pessoas que ocasionalmente fazem uso deste processo, sentem-se incomodadas e questionam seu comportamento hostil, mas na violência perversa não há questionamento ou mal estar por parte do indivíduo perverso. E, outra característica do agressor está na sua incapacidade de assumir responsabilidade por qualquer ato equivocado ou danoso que venha a realizar.

No processo emocionalmente abusivo, há uma invasão progressiva e persistente no mundo psíquico da vítima, e, segundo alguns estudiosos consiste em um “ato predatório”, ou seja, “um ato de apropriar-se da vida do outro.”

Marie-France Hirigoyen (1, p. 15), alerta para o fato de que, apesar de aparentemente se tratar de uma relação “simétrica”, sugerindo existir igualdade de condições, esta igualdade não se concretiza, pois a pessoa agredida, encontra-se fragilizada e debilitada pela exposição contínua e prolongada ao processo perverso. Encontra-se com dificuldade de mobilizar seus recursos psíquicos para perceber a relação destrutiva e mais ainda, para defender-se dela.

DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO PERVERSO

1ª Fase – A sedução perversa:

Segundo o Dicionário Aurélio (2, p. 1280), Sedução consiste no “ato ou efeito de ser seduzido ou de seduzir.” E Seduzir: “inclinar artificialmente para o mal ou para o erro; desencaminhar; enganar ardilosamente; desonrar, recorrendo a promessas, encantos ou amavios.”

A própria definição já explica parte da complexidade e peculiaridade de que se reveste o presente tema. A sedução em si mesma já é um ato prejudicial, pois promete algo ilusório, sem perspectivas de concretude. Acrescente-se a esta definição a ideia de Perversão, ainda segundo o referido dicionário (2, p. 1076): “ato ou efeito de perverter (se). E, Perverso: “quem tem malícia, má índole; muito mau; malvado.”

            Logo, a sedução perversa, no contexto do abuso psicológico, consiste nas promessas de amor e lealdade que o agressor utiliza para ganhar a confiança da vítima, torná-la crédula, confiante e indefesa. Nesta fase, a vítima começa a construir um vínculo afetivo e uma relação de confiança com o agressor. Para melhor controlar a vítima, o agressor passa a observar suas carências emocionais, seus pontos fracos, vulnerabilidades, necessidades de reconhecimento e admiração, bem como, as características da pessoa idealizada que busca, para simular corresponder a estas expectativas.

2ª Fase: Enredamento:

Com o relaxamento das defesas, a vítima torna-se mais vulnerável para sucumbir na próxima fase do processo perverso, chamado enredamento. Trata-se de um processo sutil de influência, que vai tecendo uma teia invisível em redor da vítima, por ascendência intelectual ou argumentativa, por ameaças veladas e intimidações, que vão minando a autoconfiança desta, entorpecendo seu senso crítico, levando-a a um estado de confusão com pouco discernimento e capacidade de percepção da realidade. Este conjunto de manobras perversas geram um estado de permanente tensão na vítima, um estresse constante, principalmente quando na presença do agressor.

O estresse é gerado também, porque para que o jogo perverso continue motivando o agressor, há a necessidade de que haja uma pequena resistência da vítima e não sua completa submissão, para que a pseudo disputa de poder se mantenha. Neste caso, há que ter algumas tentativas de insubordinação ou revolta da vítima para com o agressor ou para com a situação que a aprisiona.

Faz-se necessário lembrar que todo este processo se passa no território emocional, invisível e velado, tendo como arma, a comunicação perversa, que é regida por hostilidades sutis, paradoxos e mensagens emocionais desestabilizadoras.

CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO PERVERSA

O agressor sempre busca nada esclarecer, mas sempre confundir, fazendo uso de mensagens subtendidas, vagas e imprecisas, com uma pertinaz negação da discussão direta e clara, impossibilitando que haja uma compreensão e resolução dos conflitos que, em geral, tratam-se de   queixas imprecisas da pessoa agredida.

Mediante qualquer resistência da vítima e em uma tentativa de submetê-la, o agressor poderá fazer uso de uma frieza dita glacial, uma indiferença que congela toda e qualquer possível argumentação da vítima, restando a ela aquiescer e ignorar sua necessidade de resolver seus conflitos.

Paradoxos, ou “duplas mensagens” são frequentes, ou seja, o agressor pode verbalizar algo hostil, com gestual ou tom de voz suave e acolhedor. Esta contradição confunde a vítima, que novamente passa a desconfiar de sua percepção, ou ainda, pode alegar amor, quando seu comportamento é abusivo e hostil.

Igualmente, o agressor pode apresentar argumentos desconexos e incoerentes, no intuito de mais confundir a vítima, que perplexa e confusa não consegue contra argumentar. Mentiras, controvérsias e distorção dos fatos também são usados, visando desviar o foco das discussões, sempre a favor do agressor.

A derrisão pode passar a permear as falas do agressor em detrimento da vítima. A ironia e o sarcasmo podem ser usadas como lâminas para ceifar sua autoestima e para mascarar o desrespeito, podendo ocasionar um embaraço para a vítima, que não consegue discernir e se defender destas hostilidades veladas e dúbias.

Outra forma de coação, apresenta-se no comportamento de nomear ou interpretar os comportamentos da pessoa agredida, sugerindo depreciativamente suas intenções, alegando conhecer a má fé que motiva suas atitudes. A vítima no afã de justificar a idoneidade de suas ações, sente-se novamente perdida e humilhada.

Provocações são constantes ao levantar assuntos delicados para a vítima, em momentos inapropriados e/ou com a intenção de causar uma polêmica, bem como, de começar a falar com hostilidade e desrespeito de pessoas que lhes são caras. Tudo dito geralmente com uma fria hostilidade que magoa ou causa irritação na pessoa agredida, levando-a a reagir agressivamente, comportamento que imediatamente é criticado ou ridicularizado pelo agressor.

A desqualificação da fala do agredido também é comum no processo perverso, alegando incoerência, desvario ou ignorância da vítima, passando a desconsiderar seu discurso e suas queixas.

Qualquer contrariedade, agressividade ou contestação da vítima pode ser alvo de atitudes manipulativas do agressor, que pode transformar-se imediatamente em vítima, alegando estar sendo injustiçado ou mal interpretado. Também, quando convém ao agressor explicitar suas necessidades, ele o faz de uma maneira que as tornam inexequíveis, o que induz a vítima a sentir-se impotente e incapaz.

Há algumas situações que podem desencadear a violência mais direta e explícita do agressor, podendo ocorrer ataques de fúria e ações destrutivas de sua parte, acuando a vítima ostensivamente. Um gatilho para estas irrupções de violências, é quando a vítima exausta, tenta libertar-se, quando tenta dar seu grito de alforria, normalmente é intimidada por uma reação declaradamente hostil ou ameaçadora.

Caberia enfatizar, no entanto, que se a fúria irrompe, é devido a inadequação da vítima, afinal no universo do perverso, a ela se deve a culpa da violência, sempre o agredido é culpado, mesmo quando ele está sendo abusado.

O AGRESSOR

Ainda que não haja no presente trabalho a pretensão de tratar do agressor, algumas considerações sobre ele se fazem necessárias. Caberia novamente enfatizar o que caracteriza um perverso ou agressor, diferenciando o processo perverso das demais relações, nas quais a agressividade pode estar presente, fazendo uso das explicações de Marie-France Hirigoyen (1, p. 139):

“Toda pessoa em crise pode ser levada a utilizar mecanismos perversos para defender-se. Os traços narcísicos de personalidade são muito comumente encontráveis (egocentrismo, necessidade de ser admirado, intolerância à crítica). Não são por si só patológicos. Além disso, já nos aconteceu, a todos, manipular outra pessoa visando obter uma vantagem, e todos já experimentamos um passageiro ódio destruidor. O que nos distingue dos indivíduos perversos é que esses comportamentos ou sentimentos não foram mais que reações ocasionais, e foram seguidos de remorso ou arrependimento (…)A noção de perversidade implica uma estratégia de utilização, e depois de destruição do outro, sem a menor culpa.”

Para melhor compreender o processo perverso ou abusivo, uma breve discussão do transtorno da personalidade narcisista se faz necessário. Narcisismo foi um termo psicológico concebido para explicar um funcionamento psíquico, caracterizado pelo enamoramento de uma pessoa por sua própria imagem. A terminologia baseada no Mito de Narciso, conta a história de Narciso, que apaixonado e seduzido por sua  imagem refletida em um lago, acaba por atirar-se na água e morrer afogado, demonstrando o apego de uma pessoa por sua própria imagem.  Um enamoramento por si mesmo que não cause danos aos outros, pode até ser salutar, mas quando começa a se tornar disfuncional passa a configurar um transtorno e, como tal, passível de tornar-se destrutivo.

Caberia enfatizar ainda, que amar a própria imagem é diferente de amar a si mesmo. A pessoa com transtorno narcisista ama a imagem idealizada que criou de si mesma e para mantê-la fará o que for necessário, desconsiderando a necessidade dos outros. A pessoa que ama verdadeiramente a si mesma, buscará evoluir, considerando além da sua própria evolução, a dos demais.

No momento serão descritos algumas das características que  distinguem uma personalidade perversa ou narcisista das demais personalidades: a megalomania, ou seja, a premissa de que suas ideias e concepções são referenciais para nortear e ditar a  conduta dos demais; necessidade de ser constantemente admirado; egocêntricos; falta de empatia; dificuldade de entrar em contato com sua tristeza,  sendo mais comumente regidos por sentimentos de raiva e ressentimento; são muitas vezes arrogantes, mesmo quando tentam dissimular sua pretensa superioridade; vingativos quando frustrados; não toleram críticas, apesar de serem exímios críticos; sua inveja, tende à apropriar-se dos atributos que invejam no outro.

Dentro de alguns contextos teóricos, a vítima é transformada em bode expiatório, rememorando a história hebraica de enviar um bode para o deserto, após este ter sido imantado pelos pecados da comunidade, para que andando errante, redima e purifique toda a sociedade que representa. Novamente evocando a Mitologia, trata-se do Complexo do Bode Expiatório, no qual um determinado indivíduo acaba por servir de catalizador do lado sombrio das demais pessoas com as quais convive, protegendo-as de encarar ou responsabilizar-se por seus próprios defeitos e equívocos. Psicologicamente, denomina-se este processo de Projeção da Sombra, e ele costuma ocorrer tanto dentro dos núcleos familiares, quanto sociais e/ou ainda entre Nações. (2)

Neste contexto de projeções e sombras, portanto, as vítimas normalmente apresentam algumas características que as aprisionam e debilitam (1, p. 170-177). Importante dentifica-las, contextualizando-as no âmbito do abuso psicológico:

A confusão é percebida pela dificuldade que apresentam de definir e expressar suas insatisfações, de pensar, de descrever as situações que as perturbam, não conseguindo definir se lhes são efetivamente danosas ou não.

Dúvidam das percepções que possuem de sua realidade, tornam-se inseguras, dependentes de uma situação insustentável que tampouco compreendem. Muitos codependentes ou pessoas emocionalmente dependentes, costumam se encaixar neste perfil.

Um medo subjacente, vago e sem nome, decorrente de uma ameaça que não consegue definir a enclausura a vítima na situação emocionalmente abusiva.

São pessoas que se sentem culpadas por delitos que não lhes pertencem. Estão tão acostumadas à serem acusadas por tudo que há de errado em seu mundo, seja familiar, conjugal ou profissional, que habituaram-se a se auto condenarem.

A sensação de “pisar em ovos”, como se a qualquer momento algo de imprevisível e devastador fosse acontecer, é um mal-estar frequente vivido pela vítima, um estresse permanente.

SAINDO DA TEIA: libertando-se dos abusos psicológicos

Legitimar o lugar de vítima da pessoa agredida como tal, é um fator muito importante para a sua libertação. Ajudar a vítima a compreender seu estado de vulnerabilidade como decorrente de uma relação efetivamente abusiva, contextualizando seu sofrimento em um processo perverso, pode motivá-la à disponibilizar e construir seus recursos psíquicos internos para autolibertar-se.

Da mesma forma que no abuso físico e sexual há a necessidade de dar nome ao abuso, liberando a vítima de eventuais culpas de coparticipação ou de responsabilidade pelo ato abusivo, no abuso emocional, faz-se necessário o mesmo acolhimento da vítima. Saber-se presa e enredada em um processo perverso, e tomar consciência de como ele se efetua, possibilita à vítima elaborar estratégias para lidar com as reações desestabilizadoras que advirão da parte do agressor, quando este perceber o movimento de distanciamento e a intenção de libertação da sua vítima.

Os agressores tendem a se tornar muito hostis, ameaçadores e/ou violentos frente a insubmissão de sua presa, principalmente quando ele ainda tem interesse em manter o jogo perverso, quando ainda não lhes interessa dispensar ou trocar de vítima. Logo, faz-se absolutamente necessário fortalecer a pessoa agredida, agora em processo de desvencilhar-se da relação abusiva, para que se prepare e amadureça suas intenções, evitando que haja apenas por impulso ou desespero.

Muitas vezes foi possível observar que atitudes intempestivas e sem a devida preparação e suporte emocional, levam as vítimas a se afastarem drástica e subitamente do agressor, mas decorridos alguns dias ou meses, pode-se observar seu movimento de arrependimento ou incerteza acerca do rompimento, tornando-as novamente vulneráveis para sucumbirem à sedução e ao enredamento do agressor. O anseio de negar o abuso para si mesma e acreditar na relação que idealizou durante muito tempo, levam a vítima a mesma prisão que repudiou.

Relações alicerçadas em processos perversos ou abusivos, assim como é característico das relações tóxicas em geral, são de difícil intervenção. Mesmo com a verdadeira e consciente adesão da vítima ao processo de libertação, muitos percalços e recaídas terão que ser enfrentadas e superadas.O desafio é grande, mas as recompensas são muito maiores, pois a liberdade de Ser e a conquista da independência e da autonomia são insuperáveis.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Hirigoyen, Marie-France. Assédio Moral: A Violência Perversa no Cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.